Grécia antiga, crença e medicina
Hoje vamos entender um pouco mais sobre a história da medicina e como ela era praticada na Grécia antiga. Em suma, na Grécia Antiga, a compreensão de doenças estava profundamente entrelaçada com a religiosidade e os mitos que permeavam a vida cotidiana. Os gregos acreditavam que as enfermidades, bem como os fenômenos naturais, eram manifestações diretas da vontade divina. O conceito de que a saúde e a doença eram influenciadas por forças superiores era central para sua visão de mundo, e isso determinava grande parte das práticas de cura, além da própria organização da sociedade em torno dos templos e cultos.
Os deuses da Grécia antiga
Apolo
Apolo, um dos deuses mais venerados, era considerado o responsável por trazer tanto a saúde quanto a doença. Na “Ilíada”, de Homero, ele envia uma praga aos gregos durante a guerra de Troia em represália a uma ofensa cometida contra seu sacerdote. Essa narrativa reflete uma crença disseminada entre os povos da época de que a ira divina, provocada por ações humanas, podia resultar em catástrofes como doenças epidêmicas. Ao mesmo tempo, Apolo também era visto como uma figura curadora, representando o duplo aspecto da doença: tanto um castigo quanto uma oportunidade de purificação.
Asclépio
O deus da medicina, Asclépio, filho de Apolo, assumia um papel mais específico na cura das doenças. Nascido de uma união entre Apolo e a mortal Coronis, Asclépio foi entregue ao centauro Quíron, que lhe ensinou os segredos da medicina e das ervas curativas. Asclépio se tornou tão habilidoso que, segundo a mitologia, podia até mesmo ressuscitar os mortos, o que enfureceu Zeus, levando-o a matar Asclépio com um raio para manter o equilíbrio entre a vida e a morte. No entanto, o legado de Asclépio sobreviveu por meio dos cultos dedicados a ele, que floresceram na Grécia a partir do século VI a.C.
Os templos de Asclépio, conhecidos como asclepeions, espalharam-se por todo o mundo grego e serviram como centros de cura e peregrinação. Esses templos eram construídos em locais conhecidos por sua pureza e belas paisagens, o que reforçava a crença de que o ambiente influenciava a saúde. O processo de cura nos asclepeions seguia um ritual que começava com a purificação: os pacientes se submetiam a banhos e jejuns, acreditando que a limpeza física ajudaria na limpeza espiritual, preparando o corpo e a alma para a cura.
Um dos aspectos mais marcantes do culto a Asclépio era o uso da incubação, uma prática em que os doentes dormiam nos templos na esperança de receber a cura por meio dos sonhos. Acreditava-se que Asclépio ou outras divindades ligadas à medicina apareciam durante o sono e orientavam o paciente sobre o tratamento necessário. Relatos de curas milagrosas associadas a essas experiências oníricas reforçavam a devoção a Asclépio e aumentavam a importância dos seus santuários como centros de medicina religiosa.
Medicina na Grécia antiga
J
Esses mitos e rituais, porém, não eram apenas explicações espirituais para as doenças, mas também refletem as primeiras tentativas dos gregos de entender o corpo humano e suas enfermidades. Ao lado das crenças religiosas, começava a se desenvolver na Grécia uma tradição racional e observacional que desafiava as interpretações sobrenaturais das doenças. Essa transição foi impulsionada por figuras como Hipócrates, que viveu no século V a.C. e é considerado o “pai da medicina”.
Hipócrates
Hipócrates, nascido na ilha de Cós, revolucionou a medicina ao propor que as doenças tinham causas naturais e que não eram necessariamente resultado da vontade dos deuses. Ele acreditava que a saúde dependia do equilíbrio dos quatro humores do corpo: sangue, bile negra, bile amarela e fleuma. Quando esse equilíbrio era perturbado, surgiam as doenças. Essa visão, que integrava o corpo como um sistema coeso e equilibrado, foi uma mudança importante na maneira como os gregos pensavam a saúde.
Além disso, Hipócrates e seus seguidores enfatizavam a observação rigorosa dos sintomas e o registro detalhado do curso das doenças. Os médicos hipocráticos também introduziram a ideia de que o ambiente tinha um papel crucial na saúde. Eles reconheciam que condições como a qualidade da água, o clima e os ventos poderiam influenciar o aparecimento de doenças. Embora não compreendessem os microrganismos, estavam cientes de que algumas áreas insalubres, como pântanos, favoreciam o surgimento de febres e outras enfermidades.
Os escritos de Hipócrates e de outros médicos gregos foram reunidos no Corpus Hippocraticum, um conjunto de textos que moldou o pensamento médico por séculos. Neles, a prática médica foi desvinculada das explicações mitológicas e aproximou-se mais do que hoje reconhecemos como ciência. A crença na intervenção divina não foi completamente eliminada, mas foi complementada por um esforço de entender as causas naturais das doenças e aplicar tratamentos baseados na observação e na experiência.
Conclusão
A
Com o passar do tempo, essa abordagem dual — entre o divino e o racional — continuou a influenciar a prática médica. Asclépio permaneceu uma figura importante na cura de doenças, com templos espalhados por toda a Grécia e Roma. Ao mesmo tempo, a filosofia naturalista dos hipocráticos crescia, desafiando as antigas explicações sobrenaturais. Esse diálogo entre mitologia e ciência na Grécia Antiga estabeleceu as bases para o desenvolvimento da medicina ocidental, que continuou a evoluir com os avanços da razão, culminando no conhecimento que temos hoje sobre doenças infecciosas e saúde pública.
A intersecção entre religião e medicina na Grécia Antiga demonstra como as sociedades antigas integravam suas crenças espirituais em suas tentativas de entender e tratar as doenças. Embora nossa compreensão tenha se transformado profundamente com o advento da ciência moderna, a Grécia Antiga lançou as primeiras sementes de uma abordagem mais racional, ao mesmo tempo que preservava a reverência pelas forças divinas como parte da jornada de cura.
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Referência bibliográfica:
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LONGRIGG, James. Greek medicine: from the heroic to the Hellenistic age. 1. ed. London: Bloomsbury, 1998.