Entenda a “doença da vaca louca” e os príons
A chamada “doença da vaca louca” foi um dos grandes alertas da medicina veterinária e da saúde pública nas últimas décadas. Seu nome técnico é encefalopatia espongiforme bovina (EEB), e o mais intrigante nela não é apenas seu impacto social e econômico, mas o agente etiológico por trás da condição: os príons.
Ao contrário de vírus, bactérias, fungos ou parasitas, príons não possuem material genético. Eles são simplesmente proteínas, mas com uma particularidade: possuem uma conformação anormal capaz de desencadear um efeito em cascata no tecido nervoso, induzindo outras proteínas saudáveis a também se tornarem patológicas. A consequência desse processo é devastadora: morte neuronal, formação de vacúolos no tecido cerebral e perda progressiva das funções neurológicas.
O QUE SÃO PRÍONS?
Príons são proteínas infecciosas que causam doenças neurodegenerativas de progressão lenta, conhecidas como encefalopatias espongiformes transmissíveis (EETs). A sigla “príon” vem de proteinaceous infectious particle, ou partícula infecciosa proteica.
A forma normal da proteína príon está presente naturalmente na superfície de células do sistema nervoso central de mamíferos. Ela não é patogênica e ainda tem funções não totalmente compreendidas. O problema começa quando essa proteína sofre uma mudança conformacional, assumindo uma forma anormal, que é rica em folhas β e resistente à degradação proteolítica.
Ao entrar em contato com proteínas príons normais, a proteína prion induz sua conversão à forma patológica, iniciando um efeito dominó neurodegenerativo. Isso leva ao acúmulo de proteínas anormais no cérebro, morte neuronal e formação de lesões espongiformes (semelhantes a esponjas) no tecido nervoso.
ENCEFALOPATIA ESPONGIFORME BOVINA (EEB): A “VACA LOUCA”
A EEB é uma das formas mais conhecidas de encefalopatia espongiforme. Foi identificada pela primeira vez na Inglaterra, em 1986, e rapidamente se tornou uma preocupação sanitária global.
Acredita-se que a doença tenha surgido a partir da introdução de rações contendo farinha de carne e ossos de animais infectados. Esse material era usado para alimentar bovinos, que, ao ingerirem príons infecciosos presentes em restos de outros ruminantes, desenvolviam a doença.
Os bovinos afetados apresentavam alterações comportamentais, dificuldade de locomoção, hipersensibilidade a estímulos e perda progressiva de peso, culminando na morte. O período de incubação pode variar de 4 a 5 anos, tornando difícil a identificação precoce.
A RELAÇÃO COM SERES HUMANOS: A VARIANTE DA DOENÇA DE CREUTZFELDT-JAKOB
Em seres humanos, os príons também causam doenças, como:
- Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ)
- Insônia familiar fatal
- Síndrome de Gerstmann-Sträussler-Scheinker
Entretanto, com a epidemia de EEB, observou-se uma nova forma de manifestação: a variante da doença de Creutzfeldt-Jakob (vDCJ), associada ao consumo de carne contaminada com príons bovinos.
Diferente da DCJ clássica, que afeta principalmente idosos, a variante se manifesta em adultos jovens e tem um curso mais prolongado. Os sintomas incluem alterações psiquiátricas iniciais (como depressão ou ansiedade), seguidas de demência, ataxia, mioclonias e morte em poucos meses a poucos anos.
O QUE TORNA OS PRÍONS TÃO PERIGOSOS?
Os príons possuem características que os tornam especialmente preocupantes:
- Resistência extrema à degradação: não são inativados por métodos convencionais de desinfecção, como calor, radiação ou formaldeído.
- Ausência de resposta imune: por serem proteínas do próprio organismo, não são reconhecidos como “estranhos” pelo sistema imunológico.
- Longo período de incubação: a doença pode se desenvolver muitos anos após a infecção inicial.
- Potencial zoonótico: como demonstrado no caso da vDCJ.
Por essas razões, o controle de doenças priônicas requer vigilância rigorosa em cadeias produtivas de alimentos, bancos de tecidos e procedimentos médicos.
DIAGNÓSTICO E PREVENÇÃO
Não existe tratamento ou cura para doenças priônicas. O diagnóstico é baseado em critérios clínicos, exames de imagem (como a ressonância magnética) e, em alguns casos, análise do líquor ou biópsia cerebral. A confirmação definitiva geralmente ocorre por análise histopatológica pós-morte.
A prevenção envolve principalmente o controle sanitário da cadeia alimentar, proibindo o uso de farinhas de origem animal na alimentação de ruminantes, além do monitoramento rigoroso de rebanhos e sistemas de rastreamento alimentar. Medidas de biossegurança também são aplicadas em laboratórios e hospitais, especialmente durante cirurgias neurológicas, transplantes e manuseio de tecidos potencialmente contaminados.
A história da encefalopatia espongiforme bovina e dos príons desafia os conceitos tradicionais da microbiologia e da infectologia. O fato de uma simples proteína ser capaz de causar doenças transmissíveis, fatais e sem resposta imunológica levanta questões profundas sobre os limites da definição de “agente infeccioso”.
Estudar os príons é, portanto, não apenas entender uma doença incomum, mas também reconhecer a complexidade do corpo humano, dos sistemas biológicos e das interações patológicas que podem surgir mesmo a partir de estruturas tão simples quanto uma proteína mal dobrada.
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