Afinal, obesidade é doença?

A obesidade é um dos maiores problemas de saúde pública do século XXI. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 650 milhões de adultos vivem hoje com obesidade, e esse número continua crescendo. Mas, apesar da dimensão global do problema, ainda existe uma discussão importante: devemos ou não classificar a obesidade como uma doença?

Para alguns, a obesidade é apenas resultado de escolhas individuais, algo que poderia ser resolvido com “força de vontade” e mudanças de hábitos. Para outros, trata-se de uma condição clínica complexa, marcada por alterações metabólicas, hormonais, imunológicas e funcionais, que comprometem a saúde como qualquer outra patologia reconhecida. A ciência mais recente aponta que a segunda visão é a mais coerente: a obesidade não se resume ao excesso de peso e deve ser compreendida como uma doença multifatorial.

A obesidade além da balança

Durante muito tempo, o diagnóstico de obesidade foi baseado quase exclusivamente no índice de massa corporal (IMC). Apesar de útil em termos populacionais, o IMC é um parâmetro limitado, porque não distingue massa gorda de massa magra e não avalia a distribuição da gordura pelo corpo. Hoje sabemos que a gordura visceral, aquela que se acumula em torno dos órgãos, tem impacto muito mais nocivo do que a gordura subcutânea.

Ou seja, não basta saber quanto uma pessoa pesa, é preciso entender como esse peso está distribuído e quais funções do organismo estão sendo afetadas.

O conceito de obesidade sarcopênica

Um dos exemplos mais fortes dessa nova forma de enxergar a obesidade é a chamada obesidade sarcopênica. O termo descreve a condição em que o indivíduo apresenta ao mesmo tempo excesso de gordura corporal e perda de massa e função muscular.

Essa combinação é extremamente perigosa. Enquanto a obesidade aumenta o risco de doenças metabólicas e cardiovasculares, a sarcopenia (perda de músculo e força) compromete a mobilidade, a independência e a resposta imunológica. Quando as duas condições coexistem, o risco de mortalidade, fragilidade e incapacidade funcional aumenta significativamente.

Um consenso internacional publicado no Clinical Nutrition trouxe, pela primeira vez, critérios claros para definir e diagnosticar a obesidade sarcopênica. Segundo os especialistas, ela pode ser dividida em dois estágios:

  • Estágio I: alterações na composição corporal (gordura em excesso + baixa massa muscular), mas ainda sem complicações clínicas graves;
  • Estágio II: quando já existem consequências sérias, como dificuldade de locomoção, perda de autonomia, diabetes descompensado, doenças cardiovasculares ou risco elevado de quedas.

Esse modelo deixa evidente que a obesidade não é apenas uma questão estética ou de “peso alto”. Estamos falando de uma condição patológica, que afeta o corpo em múltiplos níveis.

Prevalência e impacto em saúde pública

A obesidade sarcopênica é mais comum do que parece. Estimativas indicam que cerca de 11% dos idosos no mundo já apresentam essa condição, e a tendência é que esse número aumente à medida que a população envelhece. O problema é que, sem critérios diagnósticos claros, muitos casos passam despercebidos, atrasando intervenções que poderiam melhorar a qualidade de vida.

Além disso, a obesidade em geral já está associada a custos bilionários para os sistemas de saúde, por estar ligada a doenças crônicas como diabetes tipo 2, hipertensão, câncer, distúrbios do sono e complicações articulares. Quando associada à sarcopenia, o impacto é ainda maior, já que aumenta a dependência funcional e a necessidade de cuidados prolongados.

Por que chamar obesidade de doença?

O argumento central para classificar a obesidade como doença é justamente esse: ela gera disfunções fisiológicas, aumenta o risco de morte, compromete a qualidade de vida e demanda tratamento especializado.

Não reconhecer a obesidade como doença pode levar a consequências graves, como:

  • Estigmatização do paciente, tratado como “culpado” por sua condição;
  • Falta de acesso a políticas públicas de prevenção e tratamento;
  • Subdiagnóstico de complicações relacionadas à composição corporal;
  • Redução da prioridade em pesquisas científicas sobre terapias eficazes.

Por outro lado, reconhecê-la como doença permite que ela seja tratada de forma adequada, com acompanhamento multiprofissional, investimento em pesquisas, políticas de prevenção e tratamentos personalizados.

Caminhos para o tratamento

O consenso científico também mostra que a perda de peso isolada não é suficiente. O objetivo deve ser a recomposição corporal, ou seja, reduzir a gordura e, ao mesmo tempo, preservar ou aumentar a massa muscular.

As principais estratégias incluem:

  • Treinamento de força, essencial para estimular a síntese proteica e recuperar músculos;
  • Alimentação rica em proteínas de qualidade, com destaque para aminoácidos como a leucina, fundamentais para o anabolismo muscular;
  • Suplementação e correção de deficiências, como vitamina D, que tem papel crucial na saúde óssea e muscular;
  • Acompanhamento individualizado, já que fatores como idade, sexo, genética e presença de doenças crônicas alteram as necessidades de cada pessoa.

O debate sobre se a obesidade é ou não uma doença perde força quando analisamos as evidências científicas. A obesidade sarcopênica é um exemplo claro de que estamos diante de uma condição complexa, que não pode ser reduzida a números na balança. Ela envolve alterações profundas na composição corporal, no metabolismo, na função muscular e na própria expectativa de vida.

Reconhecer a obesidade como doença não é exagero, é uma forma de garantir que ela seja levada a sério, que receba a atenção que merece em termos de pesquisa, políticas públicas e abordagens clínicas. Mais do que falar em emagrecimento, precisamos falar em saúde, funcionalidade e qualidade de vida. E isso só será possível quando compreendermos a obesidade em toda a sua complexidade.

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